Desde que o botânico Conrad Von Gesner levou para a Holanda mudas de uma flor originária da Turquia em 1560, elas se espalharam pelos campos dos Países Baixos, tornando-se símbolo dessa região europeia e atração turística de cidades como Amsterdam.
O nome tulipa é fruto da expressão turco-otomana Tülbend, que quer dizer turbante, numa alusão ao formato da flor.
As tulipas tiveram tanta importância na formação econômica da região e na vida dos povos, que foram elas que provocaram a primeira crise global do mundo contemporâneo, estimulando a criação de regras para as bolsas e o estudo e conhecimento de oferta e demanda, capaz de levar economias inteiras ao abismo.
A paixão dos holandeses pelas tulipas foi tão grande que seus bulbos e flores eram vendidos no mercado futuro, pagava-se hoje pelo que se teria alguns meses após como ainda ocorre nas transações de mercados futuros, como os de metais, óleo e gás e mercadorias.
Esse florescimento do mercado atraiu diversos empreendedores e empresários, que viram na produção das tulipas uma forma de se capitalizarem. Afinal, dependendo da procura podia-se captar recursos e ganhar, na entrega, com razoável folga.
Entre as diferentes espécies de tulipas, uma em particular, admirada pelas casas imperiais européias, ganhou terreno fértil, a Semper Augustus.
Em 1623, um simples bulbo de tulipa da Semper Augustus, com desenho em vermelho púrpura e cor branca chegava a custar mais que uma casa em Amsterdam. Registros históricos de época, presentes em compêndios de economia revelam que um negociador de bulbos chegava a ganhar mais de 6 mil florins por mês, enquanto a média dos trabalhadores naquele ano recebia 150 florins. E, como quem plantava ganhava com a venda da flor na época do seu desabrochar, o negócio atraiu milhares de pessoas.
Não foram poucos os holandeses, diante das expectativas de ganhos futuros, que trocaram casas, propriedades rurais, cavalos por bulbos. Resultado: ocorreu um excesso de oferta de tulipas Semper Augustus, quando estas começaram a desabrochar e os preços como a oferta era maior que a procura desabaram. Milhares perderam tudo. O episódio chegou a jogar para segundo plano a peste bubônica – transmitida por ratos – que assolava a zona portuária. O ano de 1637 foi marcado pela ruína de diversas famílias. Os juízes consideram o negócio como de vento (windhandel).
Em 1843, depois que no início do século a Inglaterra viveu fenômeno semelhante, embora de menor proporção, o jornalista Charles Mackay lançou o livro “Memorando de extraordinários engodos populares e a loucura das multidões”, abordando o tema que entrou para os livros de economia como exemplo a ser evitado. Por força das tulipas, as bolsas criam regulação interrompendo os pregões todas as vezes em que cotações sobem ou descem muito acima da média, o chamado “circuit breaker”. Também surgiram, ainda que os juízes holandeses não vissem razão para honrar os contratos futuros de tulipas, câmaras de liquidação e custódia, em que quem vai comprar deposita parte do que pretende pagar no futuro pela mercadoria.
Indiferente a esse frenesi, as tulipas continuaram a florescer nos campos.
A flor que dura menos de três semanas, em condições naturais, após desabrochar e não tem perfume, exala sofisticação nos ambientes. É símbolo também de poder e está presente no dia a dia das cortes europeias.
E se o artista flamengo Jean Brueghel, Il Giovane (1601-1678) pintou a mania das tulipas como sátira, com os plantadores em forma de macacos dando suas economias em troca de bulbos e flores, Claude Monet e Vincent Van Gogh preferiram tratar a flor com delicadeza, presente nos campos da Holanda e nos jarros, como símbolo de poder e constante sedução. A especulação em torno dessa flor singela rende até hoje frutos e conquista admiradores.
Então, ao presentear alguém com tulipas, saiba que estará entregando uma parte importante da história econômica global.
A Semper Augustus continua, mesmo depois de séculos, como símbolo de uma era. Seus bulbos, ainda hoje, são os mais caros porque muitos dos vendedores asseguram que a procedência é daqueles causadores de tamanha tragédia. No Royal Botanical Garden, de Londres, a flor está entre as mais visitadas. Não sem motivos históricos, muito além da sua beleza.